[16] O almoço
Hoje fui almoçar com o meu pai. Ele está velho e esquecido. Mais uma vez, ao olhar para ele, não consegui deixar de lembrar-me dos actos mesquinhos, da indiferença e da olímpica arrogância. Detestava-o, particularmente depois dele passar a culpar-me pela morte da minha mãe, como se fosse possível a uma criança, por artes desconhecidas da humana condição, fazer com que uma pessoa morra com um cancro... Hoje olho para ele e sinto alguma piedade. É isso: piedade, como se a velhice lhe conferisse a fragilidade das crianças desamparadas e desorientadas. E com a compaixão comecei a aprender a gostar dele. Não é amor filial, nem carinho, nem ternura. Algo que se encontra nas franjas dos afectos e das preocupações com outrem. Estimo-o. Afinal de contas ele pertence a um passado carregado de significações; sustentou-me, contrafeito é certo, sempre a atirar-me à cara o esforço que fazia, mas sustentou-me. E são estas e outras coisas intraduzíveis, carregadas de psicologismos e de sentimentos de gratidão, retribuição e condescendência que me levam a dizer que gosto dele. Apesar de tudo. Ele desiludiu-me muito no passado. Agora já não tem essa capacidade de me iludir. Mesmo assim gosto dele, sem mágoa, apenas dorido.