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pólo sul

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Qua | 28.07.21

[127] Pedro Páramo, de Juan Rulfo

polosul

À terceira foi de vez. Era, sempre me pareceu, uma obra de difícil leitura. Agora nem tanto, nem tão pouco.

Ia quase a dizer que cresci a ouvir dizer que este é que era o livro que deveria ler antes de avançar para os romances e novelas do realismo mágico sul-americano, mas não me parece. Se tivesse sido o primeiro, certamente ficaria desmotivado para ler o que veio a seguir.

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Juan Preciado, após a morte da mãe, vai a Comala procurar o pai, Pedro Páramo.

Da mãe diz que, no dia do funeral dela, "Ninguém veio vê-la. Foi melhor assim. A morte não se partilha como se de um bem se tratasse. Niguém anda à procura de tristezas." (p. 73).

E do pai, Pedro Páramo... é melhor ler o livro.

Sab | 24.07.21

[126] Eça, sempre Eça

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Na nota prévia à obra póstuma de Eça de Queiroz, "Alves & C.ª e Outras Ficções" (Livros do Brasil, s/ data), João Palma-Ferreira resume, singela e rigorosamente, do que trata a novela: "história «sem caprichos» de um negociante de comissões com o Ultramar" (p. 13) ou uma "caricatura (talvez superficial) de uma sólida família de uma burguesia lisboeta" (p. 15), que melhor seria se fosse intitulada Godofredo, Machado & Ludovina.

Godofredo é casado com Ludovina (Lulu) e sócio de Machado. Um dia descobre que o sócio o trai com a sua esposa; expulsa a adúltera de casa e desafia o sócio para um duelo ou... um suicídio! Mas logo "Godofredo ficou só, com as ruínas da sua grande ideia, humilhado, confuso, encavacado, com as fontes a latejar, e sem saber o que havia de fazer." (p. 100) 

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Mas eis que os amigos de ambas as partes intervêm e tudo termina sem derramamento de sangue ou violências. A uma paz podre sucede-se uma reconciliação e a retoma da estima e amizade mútuas. Afinal, toda a gente queria de volta a mansidão dos dias, a felicidade contemplativa e a prosperidade.

Sab | 24.07.21

[125] Pensamentos secretos

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Sobre o secretismo dos pensamentos, ou melhor, sobre a verdade do que pensamos, David Lodge adianta o seguinte: "Nunca sabemos ao certo o que outra pessoa está realmente a pensar. Mesmo que decida contar-nos, nunca podemos saber se está a dizer-nos a verdade, ou a verdade toda." (p. 52)

Portanto, já avisados, ficamos a saber que se pode desvendar o que um cônjuge pensa, real e inteiramente, do outro, analisando a linguagem que adotam. Por exemplo: "Ela trata-o por «Messenger» (...), num tom meio deferente, meio irónico. De certa forma, parece servir o conluio de o colocar acima dos comuns mortais que têm os seus eus privados com o primeiro nome e as suas personae profissionais com apelidos; mas, ao mesmo tempo, o incongruente formalismo de uma mulher tratar o marido pelo apelido parece escarnecer das suas pretensões e interpor uma fria distância entre eles." (p. 33)

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E, confirma-se, estas coisas desembocam sempre em sexo: "aquilo que distingue o sexo humano do sexo animal é precisamente o sermos capazes de pensar nele, é por isso que o gozamos, e gozamos o gozo uns dos outros" (p. 92).

E depois, mais para o fim, depois de algumas peripécias de que Lodge é useiro e vezeiro, num dos seus momentos ensaísticos, escreve: "O acto sexual é um acto tão comum, tão banal, infinitamente repetido por milhões de pessoas todos os dias [...]; no entanto, cada pessoa tem a sua forma individual de se envolver nele, de o desempenhar e de se desprender dele, uma forma tão única e inequívoca como uma assinatura ou uma impressão digital. Isso assenta em várias coisas - ritmo e sequência, por exemplo, assim como o tipo de preliminares ou posição preferida. Quando se trata de uma relação estável, começa-se a conhecer o padrão de estímulos e reacções do parceiro, e ele o nosso. Não que todos os actos sexuais sejam exactamente iguais; mas existe uma espécie de repertório que se vai traçando em conjunto, elementos que se combinam de formas diferentes em diferentes ocasiões. [...] ... uma espécie de linguagem que os amantes aprendem" (p. 210-211).

Nada de novo é certo, mas sempre satisfatório ver apostilhado em livro.

 

Dom | 18.07.21

[124] O enterro do diabo

polosul

Um coronel idoso, a filha que casou com um homem que não conhecia, e o filha dela, vão velar um morto, o "doutor", um homem que a povoação odiava, mas por quem o coronel se sentia devedor. O livro - dizem que é uma novela, pois seja - desenrola-se em monólogos do pai, da filha e do neto durante o velório. O "doutor" não tem a palavra, jaz morto, repescado à vida nos monólogos, sem direito a contraditório, afinal ele personifica o diabo.

Os habitantes da povoação não gostavam dele porque, em momento de emergência, o "doutor", que também era médico, recusou tratar os feridos. Não mais houve comiseração por ele. Não o lincharam porque o padre não o  permitiu. Subsistiu a pena capital para o pecado máximo - um enterro sem flores, sem pêsames e sem niguém.

No seu primeiro livro publicado (1955), Gabriel García Márquez apresenta-nos Macondo, refere-se ao coronel Aureliano Buendía, prende-nos a uma narrativa onde quem fala são personagens menores e de quem se fala é que é o principal personagem.

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Mas afinal quem era o "doutor"? É por causa desta pergunta que continuamos a ler, expectantes, e vamos sabendo do coronel, da filha e do neto.

Perante a recusa do alcaide em emitir a certidão de óbito, o coronel pensa: "Ao ouvi-lo, percebo que não está tão imbecilizado pela aguardente como pela covardia." (p. 30).

E depois, ao confrontar a esposa sobre quem era o visitante, ela respondeu ao coronel: "estou segura de que não é a pessoa com quem se parece, mas a própria pessoa com quem se parece." (p. 64).

Quando o coronel diz que o "doutor" é ateu, este nega: "O que acontece é que me perturba pensar que Deus existe como pensar que não existe. Então prefiro não pensar nisso." (p. 118).

Durante a narrativa sente-se que o "doutor" era um homem sofrido, atormentado, padecia, como se diz hoje, de stress pós-traumático. Isso explica porque, "Ao entrar pelo fundo. deparam-se-nos os escombros de um homem abandonado na rede. Nada deste mundo deve ser mais tremendo do que os escombros de um homem." (p. 142).

Sab | 10.07.21

[123] Eliete, para onde nos levas?

polosul

Dulce Maria Cardodo irrompeu na minha vida com O Retorno, livro que evocou e dessacralizou um período infantil e precoce da minha vida. Eles vinham de longe, os retornados, essas pessoas que desencadeavam um inexplicável desdém e censura por parte dos indígenas lusitanos. Apesar de  ser um miúdo, já entendia os desabafos exasperados sobre os retornados, mas não compreendia de todo a origem de tanta raiva. Porquê desvalorizar, injuriar e até difamar pessoas que fugiram das suas próprias casas? O que é que a maioria das pessoas à minha volta tinham observado e concluído que me tinha escapado? Talvez tenha sido esta uma das causas para ser tão inquiridor e esgotar a paciência da minha mãe.

Bom, mas o que trago até aqui é este livro:

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Segundo a Dulce - espero que não olhem para este desaforo de a tratar por Dulce em vez de me referir a ela como A Dulce -, a este volume (Parte I - A vida normal) seguir-se-ia um outro e até falou num terceiro volume. Seja como for, se houver meio volume já vale a pena procurá-lo. A história de Eliete, e cabe dizê-lo antes de me distrair com outras literatices, nem sequer é muito interessante. Mas a maneira de a contar, a arte e o engenho (mil desculpas pela expressão gasta) da narrativa, a profundidade psicológica, emocional e racional da protagonista é tão rica e estimulante que, perguntar-se-ia, para onde nos vais levar, Dulce?

Num solilóquio de Eliete sobre uma das filhas: "A Inês representava melhor a fingir sofrimento ou a fingir felicidade? Preferia que fosse a fingir sofrimento e que a minha menina fosse sempre feliz." (p. 224)

E sobre as palavras, pedra angular de qualquer livro que passe pelas minhas mãos, escreve esta reminiscência que também foi a minha: "as heroínas das fotonovelas da mamã tinham-me ensinado que quanto mais se insistia numa palavra mais o significado dessa palavra se tornava o mesmo para todos os que a pensavam, ouviam e liam, que quanto mais importante fosse o que queríamos dizer menos substituíveis eram as palavras." (p. 273).

Ficamos à espera de mais, Dulce.