A alegoria da caverna simboliza quem viveu sempre na caverna e depois vem a saber que afinal a realidade é a cores. Lester, que também é um filho de Deus, viu a realidade a cores e acabou num tugúrio, enquanto a sua vida se transforma irremediavelmente numa manta de marginalidade e degradação.
Quem lê, imagina as suas viagens entre a cor e os buracos onde se refugia, e acaba por dar razão a quem diz que, quanto menos sabemos, menos sofremos.
E também acolhe os que dizem que depois de conhecermos a vida a cores nunca mais queremos outra coisa. Se a perdermos vivemos inconsoláveis o resto das nossas vidas, dizem.
Estas análises são sempre penosas e nunca sabemos bem onde vão desaguar: quanto custa, medido em unidades de sabedoria, o sofrimento? Quanto custa, medido em unidades de sofrimento, a sabedoria?
Um leitor deste blogue escreveu ao autor do pólo sul que pretende continuar a lê-lo, mas que gostaria de ler textos novos. O autor já transmitiu essa solicitação ao pólo sul e este respondeu que anda distraído: com sonhos, com viagens e com desejos. Numa palavra: anda a ler. O pretexto da distracção é mais uma vez Murakami e a sua crónica do pássaro de corda. O protagonista é o alter ego do pólo sul: é um homem desempregado, que leva uma vida insípida e vulgar, a quem começam a acontecer coisas estranhas, porém sem que possa influenciar o seu curso ou destino.
"if you paid close attention to what he was saying or what he had written, you knew that his words lacked consistency. They reflected no single worldview based on profound conviction. His was a world that he had fabricated by combining several one-dimensional systems of thought. He could rearrange the combination in an instant, as needed.» (p. 75)
Porventura os leitores deste e doutros blogues e doutros livros e artigos e textos se aperceberão que os melhores bens que existem no mundo são aqueles que as pessoas nos trazem com um olhar, um aperto de mão ou uma carícia?