Aos 15 anos Kafka fugiu de casa... O livro anda a roubar-me o sono e a disponibilidade.
Eu também tentei duas fugas com a mesma idade. Na primeira, regressei a casa no mesmo dia, a tempo do jantar. Na segunda, regressei de madrugada, mas ninguém deu por isso porque duvidei das minhas reais intenções e avisei previamente que ia assistir a um concerto de rock e provavelmente dormiria em casa de um amigo. Quando cheguei, o meu pai acordou, e no caminho para a casa de banho perguntou-me, en passant: "Gostaste do concerto?"
A fome, primeiro, e o vazio da deriva, em segundo, forneceram-me a matéria-prima de uma certeza: não fugir nunca. De nada, nem de ninguém.
Calhou-nos um filme sobre diamantes, guerras, mercenários e crianças a fazerem as vezes de soldados. A gente vê e concorda com a mensagem. Depois vamos para casa e recomeçamos a ver tudo desde o princípio: um enredo recheado de situações e personagens demasiado previsíveis; sangue e violência em desatino; a inevitável perseguição de automóveis; uma história moralizadora dirigida às boas consciências. Saímos a pensar que há algo de errado com o mundo e cheios de vontade de interpelar a próxima pessoa que avistarmos com um cachucho reluzente no dedo, passando-lhe um raspanete sobre a cupidez dos homens e a desgraça dos povos africanos devido aos diamantes.
Porém, foi e é um filme como qualquer outro, excepto em algumas sequências: o diálogo entre Salomon e Archer a propósito da família e do ter a "better life"; as cenas deslumbrantes sobre a paisagem africana (algumas são de Moçambique onde decorreu uma parte das filmagens) e e as que se referem ao poder-dever paternal de cuidar e educar os filhos.
Passei o final do ano a resistir à tentação de criar novos blogues, porque este tem uma matriz, porque o seu intuito inicial foi-se alterando, porque é preciso mudar (mesmo que tudo fique na mesma), porque existem outras formas de expressão, porque etc. e tal...
Mas a criação de outros blogues seria um prejuízo: dispersão, artigos cada vez mais escassos, os amigos, conhecidos e curiosos a visitarem-me cada vez menos porque não descortinam novidades, e etc. e tal....
Vai daí, não vou criar outros blogues não senhor. Vou ficar por aqui, e escrever mais para vos ver de vez em quando.
Uma vez chamaram-me poeta materialista, E eu admirei-me, porque não julgava Que se me pudesse chamar qualquer cousa. Eu nem sequer sou poeta: vejo. Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho: O valor está ali, nos meus versos. Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.