[58] slow dying old man
O X. está a morrer. Não há eufemismo possível para disfarçar essa realidade. Morre-se.
Com dignidade, acompanhado da família e amigos, mas morre.
Eu sou o pior dos amigos, pois sou daqueles que não suporta "o nada poder fazer".
Hoje peguei-lhe na mão e senti-a longe. O meu amigo X. está apagar-se e eu sem poder ajudar. Dão-nos a vida com uma mão e não permitem que a possamos distribuir com a outra.
Hoje pensei muito em Deus, esforçando-me por pensar que fosse alguém do prédio em frente a quem fizesse uns sinais de luzes e que percebesse e viesse ajudar-me a salvar o X.. Mas Ele não respondeu.
Deus tem destas coisas. Não liga aos velhos. Ou distrai-se.
Se Ele realmente existir, e eu tenho muita esperança nisso, um dia terei uma conversa com Ele sobre as prioridades e escolhas de quem e quando deve morrer. Não tenho visto muita equidade nos critérios aplicados ultimamente, quer dizer, desde que me lembro; creio mesmo que Ele, se existe, na sua omnisciência tem alguns lapsos. Porventura pequenos para Ele, mas enormes para nós. Levar-nos o X. é um deles.
Eu sei que o X. é velho e gasto e usado, mas quem não o está também!?
Reconheço que ele já não é um elemento produtivo da sociedade, mas isso depende de quem vê e avalia.
E já agora, que tal avaliarmos Deus sobre as horas e locais onde nos recolhe!?
Eu queria que o X. ficasse mais tempo aqui. Com algumas condições: que recuperasse a consciência, os movimentos e retomasse aquele olhar iluminado. De outro modo, não.
E este é outro problema também muito mal amanhado por Deus: porquê deixar-nos sofrer aos pinguinhos? porquê deixar-nos decrépitos e sem dignidade, por vezes até deixando de ser possível mijar de pé!?
Hoje, eu queria apenas que o tempo andasse para trás e voltasse a ser criança e o X. me desse a mão para irmos comer um prato de caracóis e beber uma gasosa.
Obrigado X.