[46] A fuga
Aos 15 anos Kafka fugiu de casa... O livro anda a roubar-me o sono e a disponibilidade.
Eu também tentei duas fugas com a mesma idade. Na primeira, regressei a casa no mesmo dia, a tempo do jantar. Na segunda, regressei de madrugada, mas ninguém deu por isso porque duvidei das minhas reais intenções e avisei previamente que ia assistir a um concerto de rock e provavelmente dormiria em casa de um amigo. Quando cheguei, o meu pai acordou, e no caminho para a casa de banho perguntou-me, en passant: "Gostaste do concerto?"
A fome, primeiro, e o vazio da deriva, em segundo, forneceram-me a matéria-prima de uma certeza: não fugir nunca. De nada, nem de ninguém.